Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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ENSP discute participação popular nos processos da saúde

O Ciclo de Debates do Curso de Especialização em Saúde Pública, promovido pelo Centro Colaborador em Vigilância Sanitária da ENSP em conjunto com o Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF/ENSP) e o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), realizou duas sessões. A primeira aconteceu na segunda-feira (22/10) e discutiu 'Direito à Saúde e Defesa do Consumidor', com participação do pesquisador Fermin Roland Schramm, do Departamento de Ciências Sociais (DCS/ENSP); da advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Daniela Trettel; e da pesquisadora Miriam Ventura da Silva. Na terça-feira, o tema foi 'Participação Social', e estiveram presentes o coordenador dos Projetos Sociais da ENSP, José Leonídio; o pesquisador Willer Baumgarten; e a presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), Ruth Maria Nascimento.

A primeira atividade foi coordenada pela pesquisadora Ana Célia Pessoa da Silva. O debate focou a saúde como um bem de consumo, seu acesso, o direito à saúde e as atividades do Idec. Daniela Trettel apresentou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com ênfase nas suas atividades em saúde. Segundo ela, trata-se de uma associação de consumidores fundada em 1987, que não possui fins lucrativos e não tem vínculo com empresas, governos ou partidos políticos. Segundo a advogada, é missão da associação assegurar que todos os cidadãos tenham acesso aos produtos e serviços essenciais e contribuir para o desenvolvimento social, para o consumo sustentável, para a consolidação da democracia no Brasil e para a saúde do planeta.

De acordo com Daniela, o Idec possui mais de 30 representações em fóruns, redes, conselhos e comitês, governamentais ou não. Entre os temas prioritários está a saúde, através do SUS, dos planos de saúde e dos medicamentos. Para exemplificar, citou algumas representações ligadas à área da saúde, como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Consultivo da Anvisa, o Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos do Ministério da Saúde e outros. Apesar de não haver relações de consumo no Sistema Único de Saúde, a palestrante enfatizou que planos de saúde e venda de medicamentos são classificáveis como relações de consumo. "A saúde é um direito de todos e dever do Estado, mas é impossível não afirmarmos que há uma mercantilização da saúde, o que considero um aspecto negativo", finalizou.

"O medicamento não é um mero bem de consumo"

A advogada Miriam Ventura, que defendeu sua dissertação de mestrado no Departamento de Ciências Sociais da ENSP, chamou a atenção para alguns aspectos da relação entre consumo e saúde pública. A palestrante enfocou a questão da judicialização do acesso aos medicamentos e as críticas que surgem a partir desse processo. "Na discussão sobre judicialização, a Justiça considera o medicamento como um mero bem de consumo, sem avaliar que ele é um tipo de produto diferenciado, que tem algumas características próprias em função da proteção da saúde, que é dever do estado".

A palestrante criticou ainda a falta de sensibilidade do Judiciário em algumas questões de saúde. "Pouco se vê, nas questões judiciais, a proteção à vida e ao bem estar. Até porque a palavra bem estar, em termos de saúde, é de uma abrangência e subjetividade muito grande. Portanto, os juízes deveriam trabalhar sobre o alcance desse estágio. Daí a importância dessa interface entre o direito a saúde e a ética para aplicação adequada deste sentido".



Após as discussões sobre a relação entre saúde e consumo, Fermim Roland abordou a ética. De acordo com o pesquisador, tudo o que existe pode ser criticado, principalmente questões relacionadas ao direito do consumidor, ao direito à saúde e defesa do consumidor. "Nesses aspectos, temos muitas coisas que não são claras". Ainda de acordo com Rolland, a primeira questão que se coloca, quando falamos que a saúde é um direito do cidadão e dever do estado, é que ela se tornou um objeto de consumo e um objeto das práticas econômicas.

Outra tendência da atualidade comentada pelo pesquisador é a de gerir os bens públicos como se fossem privados. "Escrevi um artigo sobre a saúde ser um direito ou um dever do cidadão. E essa questão não é tão espantosa. Pode ser que a saúde se torne um dever do cidadão para poupar recursos. Outra questão que se coloca é quando se fala em consumidor. Esse consumidor coincide com o usuário? Não tenho certeza sobre isso. É claro que no final das contas são idênticos, mas a escolha das palavras não é inocente. Por baixo disso, há pensamentos diferentes".

Fermim ressaltou que o valor social da saúde é importante, mas que também é necessário observar o valor do mercado, assim como o valor social das instituições e do Estado, pois seus valores podem não atender aos interesses da população.

Necessidade de ampliar a participação social

No Ciclo de Debates de terça-feira (23/10), Willer Baumgarten afirmou que a saúde é muito mais do que a ausência de doenças. Dessa forma, segundo o pesquisador, sai da esfera exclusiva do setor saúde e extrapola para outros campos. "Por isso, temos que rever a questão da participação social", observou. Um dos principais problemas que a academia deve superar, de acordo com Willer, é sobre como traduzir o conhecimento em prática. "Isso pode ser resolvido e traduzido pelo entendimento das diferenças. Os pesquisadores e a academia devem ter um discurso de fácil compreensão para a população, sem deixar de lado o conhecimento adquirido".

Willer alertou que é importante compreender melhor o mundo, além de seus atores e autores, para realizar qualquer tipo de intervenção. "Aprender com a realidade também é importante. A academia deveria fazer uma autocrítica com relação à discussão sobre a participação social. Temos que levar isso em conta para não mergulharmos no poço da incompreensão".

Ruth Maria, presidente da Abrea, falou sobre a importância dos movimentos sociais na construção de políticas a favor do banimento do amianto. Ela, que trabalhou exposta à fibra durante 12 anos, foi demitida por ter contraído a asbestose - doença causada pela exposição à fibra. Ruth revelou que a empresa na qual trabalhava demitia os trabalhadores com mais de dez anos de 'casa', pois já apresentavam as conseqüências da doença, como cansaço, falta de ar, dificuldades para respirar e até andar. "Uma amiga que estava com suspeita de alergia veio comigo ao Cesteh, e constatamos a asbestose. A partir daí, junto com o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, criamos a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto no Rio de Janeiro, em maio de 2001. O trabalho da Associação é reunir os trabalhadores expostos e falar sobre saúde e trabalho. Além do mais, participamos de diversos congressos e seminários nacionais e internacionais para discutir o amianto. Atualmente, estamos usando nossa força para lutar a favor do banimento da fibra. Quantos trabalhadores terão que morrer para as autoridades se conscientizarem de que o amianto mata?", desabafou.

O coordenador dos projetos sociais da ENSP se mostrou sensibilizado com o depoimento de Ruth e exaltou a importância de se articular o conhecimento da academia com o da população. "A ENSP, através de sua coordenação de projetos sociais, busca ampliar suas ações junto à sociedade, principalmente no enfrentamento aos determinantes sociais da saúde. Manguinhos é um local de contrastes, onde de um lado há conhecimento técnico e científico, reconhecido internacionalmente, e do outro lado há pessoas que morrem por falta de higiene, por não poder garantir a sobrevida de uma criança recém-nascida. A desigualdade do nosso país pode ser reconhecida verdadeiramente aqui em Manguinhos".

Leonídio ainda relembrou o processo de exclusão sofrido pelos moradores da área. De acordo com ele, os moradores da região vieram removidos de vários lugares, o que deixa mais explícito o processo de exclusão sofrido por diferentes gerações em Manguinhos. Para enfrentar os múltiplos determinantes sociais da saúde, segundo ele, é preciso ampliar a capacidade de atuação do tecido social da região. Ele finalizou lembrando as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que serão realizadas no local. "A participação social será muito importante para ajudar nas obras do PAC", finalizou.

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