Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Unitaid: 'A pobreza é a pior forma de violência no mundo'

Na terça-feira (17/8), o ex-diretor da ENSP e atual secretário executivo da Unitaid, Jorge Antonio Zepeda Bermudez, esteve na Escola para participar de uma conferência organizada pelo Núcleo de Assistência Farmacêutica, do qual foi um dos fundadores. Bermudez falou sobre a atuação da Unitaid nos países de baixa renda, definindo-a como "um mecanismo financeiro inovador, que utiliza ferramentas com base em dinâmica de mercado, para expandir o acesso a tratamentos e diagnósticos para HIV/Aids, tuberculose e malária".

Sentindo-se muito à vontade na Escola, que definiu como "sua casa", Bermudez concedeu entrevista ao Informe ENSP e explicou como funciona o Conselho da Unitaid, as formas de financiamento, o papel do Brasil na agência e afirmou que a pobreza é a pior forma de violência no mundo. Confira:

Informe ENSP: Em sua palestra, o senhor destacou a multiculturalidade do Conselho da Unitaid e a importância dos parceiros na atuação da organização. Como este conselho é formado? Como são tomadas as decisões da Unitaid?

Jorge Bermudez:
O Conselho da Unitaid possui 12 membros, sendo formado pelos cinco países fundadores (Brasil, Chile, França Noruega e Reino Unido), mais a União Africana, a Coreia do Sul - representando os países da Ásia, temos organizações não governamentais, representantes de comunidades vivendo com as três doenças (HIV/Aids, tuberculose e malária), as fundações privadas - representadas pela Fundação Bill e Melinda Gates, a Organização Mundial da Saúde e, recentemente, tivemos a adesão da Espanha, que é nosso terceiro maior contribuinte e teve sua entrada aprovada como país membro.

O conselho se reúne duas vezes por ano, mas temos vários comitês que se encontram com maior periodicidade. O poder decisório da Unitaid é do conselho executivo, presidido pelo ex-chanceler da França Philippe Douste-Blazy. Temos o respaldo técnico da OMS e trabalhamos com um secretariado pequeno, com 45 pessoas de 27 nacionalidades diferentes. Isso resulta numa multiculturalidade importante para nossa atuação. Nosso tripé é o financiamento estável, somado ao compromisso com projetos e impacto em mercados.

Informe ENSP: O senhor citou Mahatma Gandhi ao afirmar que "a pobreza é a pior forma de violência" no mundo. Talvez, por conta disso, a Unitaid tenha optado por trabalhar em nichos que não possuem assistência de outros mecanismos ou dos seus próprios governos. Explique essa relação da Unitaid com a pobreza.

Jorge Bermudez:
Essa é uma frase de Gandhi, e, durante minhas andanças pela América Latina, quando estava na Opas, e agora nesses mais de três anos de Unitaid, tenho verificado realmente que a pobreza expressa umas das maiores formas de violência no mundo. Temos feito de tudo para combatê-la, e a Ação Global Contra a Fome e a Pobreza no Mundo, liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tenta colocar claramente isso. A Unitaid mostra que o acesso aos medicamentos é uma das formas de aliviar a pobreza e a fome no mundo. Essa é a nossa grande luta, trabalhando em nichos e buscando formas inovadoras de financiamento e acesso.

Informe ENSP: Como funciona o sistema de financiamento inovador da Unitaid? E os países que não contribuem com a taxa sobre bilhetes de passagens aéreas? Qual é a forma de contribuição?

Jorge Bermudez:
A taxa em bilhetes de avião é uma forma inovadora de financiamento. O Chile, por exemplo, quando a Unitaid foi criada, fez uma coisa simples: estabeleceu uma taxa de dois dólares para qualquer passagem internacional saindo de Santiago. Na França, isso é mais complexo: a taxa varia de acordo com a viagem. Se for dentro da Europa, para primeira classe ou executiva, a taxa varia de 1 a 10 euros. Se for uma viagem internacional, varia de 4 a 40 euros, dependendo da classe também. Só para ilustrar, 40 euros para uma passagem internacional de primeira classe corresponde a uma criança tratada durante um ano com antirretrovirais. Niger, na África, tem uma taxa semelhante à da França, que depende se o vôo é dentro da África, e também há uma taxa progressiva de acordo com a classe.

Outros países, como Brasil, Reino Unido e Espanha, não têm um imposto sobre a passagem aérea, pois eles contribuem com taxas anuais. Essas contribuições são multianuais, o que também nos permite certa estabilidade nos recursos. O processo de cobrança sobre a taxa aérea é discutido com o Ministério da Saúde dos países, que levam ao âmbito do governo, e lá há uma discussão política interministerial. Discute-se com os múltiplos atores a adoção de uma lei; ela entra em vigor e a taxa é cobrada. Esse é um processo que leva tempo. Tem levado em média uns seis meses, mas tem sido adotado por vários países.



Informe ENSP: Feita a negociação de mercado para o acesso aos medicamentos, de que forma eles são distribuídos nos países? Como se dá a entrada e a distribuição dos medicamentos para a população?

Jorge Bermudez:
A Unitaid trabalha exclusivamente financiando medicamentos e diagnósticos. Possuímos uma estrutura centrada na OMS e trabalhamos por meio de parceiros, que são obrigados a fazer acordos com os Ministérios da Saúde de cada país, de forma a fortalecermos o sistema de saúde deles. Trabalhamos em 93 países no mundo inteiro e vemos nessa forma de agir uma maneira de tornar mais sólida a gestão do sistema de saúde de cada país.

Portanto, os medicamentos entram via Ministério da Saúde, e a gestão fica a cargo dos ministérios.

Informe ENSP: Em 2008, o Brasil sediou a primeira reunião internacional da Unitaid. O fato de o país ter sido escolhido é um reflexo de sua atuação na organização? Aliás, qual tem sido o papel do Brasil?

Jorge Bermudez:
O Brasil, como um dos cinco países fundadores, tem um papel fundamental e forte nas reuniões do conselho como um membro executivo e se faz representar pelo Ministério da Saúde e o Ministério das Relações Exteriores. Além de ter sediado a única reunião do Conselho Executivo fora de Genebra, sempre se faz representar com uma voz muito forte. O país tem uma atuação bastante participativa, forte, com uma voz pró-ativa e defendendo as propostas importantes para o Unitaid.

Informe ENSP: O senhor foi um dos fundadores do Núcleo de Assistência Farmacêutica da ENSP (NAF). Tem acompanhado as ações do núcleo? Como o senhor avalia seu crescimento de alguns anos pra cá?

Jorge Bermudez:
O NAF foi criado em 1998. É um Centro Colaborador da Opas/OMS com forte atuação na América Latina e também em outras regiões do mundo. Tem colaborado ativamente na capacitação de recursos humanos para a região e exerce um trabalho articulado com a Opas na formulação de políticas farmacêuticas em alguns países.

Vejo o NAF como um modelo de trabalho articulado na área da assistência farmacêutica, com trabalhos internos no país com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), por exemplo, e fora do território nacional. Fui um dos principais propositores do NAF na sua formulação e me sinto satisfeito com sua evolução ao longo desses anos. O núcleo é um exemplo de gestão e trabalho articulado com outros órgãos, tanto na própria Fiocruz quanto fora dela.

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